sábado, 23 de março de 2013

PARA QUE SERVE A HISTÓRIA?


Para que serve a História?

Começamos pela resposta clássica de Marc Bloch: “a História é a ciência dos homens no transcurso do tempo”. O que isto quer dizer?
 Inicialmente, a História ocupava-se do passado, seu objeto estava temporalmente distante e desconectado do presente, a narrativa restringia-se aos heróis, mártires e grandes feitos, em busca da verdade absoluta baseado na rigidez do método e na neutralidade do pesquisador.
A perspectiva era evolutiva, o presente “moderno” era melhor que o passado “atrasado” e baseado nas grandes invenções e na tecnologia havia um ufanismo com relação ao futuro. Mas todo esse conceito ruiu diante do terror e da barbárie da I e II Guerras Mundiais. Sobraram incertezas e indagações sobre o porvir.
O século XX foi, nesse sentido, um divisor de águas no pensamento histórico.  O fazer histórico torna-se mais reflexivo, a análise mais crítica, o olhar multidimensional, voltado para a compreensão e não julgamento do fato, mais conceitual e menos factual.
 A metodologia torna-se de forma variada um campo de disputa e celeumas entre os historiadores.  Na busca do saber histórico não há certezas. As fontes também são inquiridas e relativizadas. Há de se perguntar sobre a existência em si do documento: o que vem a ser o documento? O que é capaz de nos dizer? Como podemos recuperar o sentido deste seu dizer? Por que tal documento existe? Quem o fez, em que circunstâncias e para que finalidade foi feita? Como e por quem foi produzido? Para que e para quem se fez esta produção? Qual é a relação do documento no universo da produção? Qual a finalidade e o caráter necessário que comanda a sua existência? Sobre o significado do documento como sujeito: por quem fala tal documento? De que história particular participou? Que ação e que pensamentos estão contidos em seu significado? O que faz perdurar como depósito da memória? Em que consiste seu ato de poder?
Não podemos esquecer que ao longo da história, muitas vezes, determinados grupos sociais se apropriam dos destinos de uma coletividade, ou seja, escrevem a história sob o prisma da dominação e dos mecanismos de funcionamento social que envolvem desigualdades e contradições. Estar no poder implica para o “grupo vencedor” ter acesso à maior parte dos recursos humanos com que conta a sociedade       (intelectuais, burocracia, sistemas de educação, de coerção, religião etc.) e a possibilidade de influenciar – incentivando, desestimulando e até proibindo – o que as pessoas falam e escrevem. Isso não quer dizer que outros grupos “os vencidos”, não possam contar a história a seu modo, do seu ponto de vista, a “subversão do fato”. Essas vozes, ou melhor, essas fontes de informações, estão nos discursos, falas, e escritos, mas também em monumentos, músicas, obras literárias, pinturas, obras de arte e até no silêncio.
Nessa lógica o que faz o historiador diante do Tempo Presente? Alguns não se arriscam na pesquisa, uma vez que não há base teórica do fato recente, a metodologia se vulnerabiliza diante da proximidade pesquisador/objeto, ambos compartilham a trajetória temporal.
As fontes, em tempos de avançada tecnologia da informação, perdem a prerrogativa e a legitimidade no lugar de memória. Há uma fluidez na velocidade dos fatos, das rupturas e permanências. Como buscar a especialização sobre um determinado assunto? Como esgotar a análise das fontes? Como produzir teoria diante de novos acontecimentos? Esses entendem que Tempo Presente é assunto para cientista político, sociólogo, jornalistas, comentaristas, economistas, diplomatas...
Para outros “destemidos” historiadores, o Tempo Presente requer sim, uma análise histórica. Claro que é um caminho escorregadio, não há o chão firme do passado, as fontes não estão em arquivos, bibliotecas, no subsolo, achados arqueológicos, ou nos porões; “elas estão no meio de nós”, nos jornais, revistas, na propaganda, no bar, nas prisões, nas comunidades, aqui no Tempo Presente.  Este Tempo, que rompe a velocidade da luz, exige do historiador a não especialização, olhar a história totalizante com olhar investigativo, mas consciente das incertezas.
 A análise histórica do Tempo Presente permite possibilidades, interage com outras análises, dialoga com as demais ciências humanas, torna possível a investigação e a interpretação do objeto sem paradigmas, só argumentações.
 Voltando a pergunta inicial, para que serve a História? Ela ajuda o indivíduo a compreender o passado e se situar no presente como interventor da sua história. Desperta uma visão crítica da sua realidade, afasta o senso comum e as manipulações. A partir dela, da história, torna-se possível ver e ler o mundo com novas lentes pelas quais a sociedade, o governo, as relações de poder, a legislação vigente, como resultado de forças sociais.  Forças estas que atravessam a miséria e as injustiças sociais como conseqüências de apropriações e privilégios de grupos dominantes.
Ensinar História é o ofício do professor–pesquisador, na concepção de Paulo Freire, e de  Marc Boch, o desafio é de trazer a história do mundo acadêmico, da erudição, para o cidadão comum. Decodificar a Babel de conceitos com a obrigação de difundir e esclarecer o processo histórico, sem fazer do ensino de História  narrativa literária ou ficção. Significa desenvolver no dia-a-dia a capacidade de “saber falar” às crianças e aos doutos.


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