Para que serve a História?
Começamos
pela resposta clássica de Marc Bloch: “a História é a ciência dos homens no transcurso
do tempo”. O que isto quer dizer?
Inicialmente, a História ocupava-se do passado,
seu objeto estava temporalmente distante e desconectado do presente, a
narrativa restringia-se aos heróis, mártires e grandes feitos, em busca da
verdade absoluta baseado na rigidez do método e na neutralidade do pesquisador.
A
perspectiva era evolutiva, o presente “moderno” era melhor que o passado
“atrasado” e baseado nas grandes invenções e na tecnologia havia um ufanismo
com relação ao futuro. Mas todo esse conceito ruiu diante do terror e da barbárie
da I e II Guerras Mundiais. Sobraram incertezas e indagações sobre o porvir.
O
século XX foi, nesse sentido, um divisor de águas no pensamento histórico. O fazer histórico torna-se mais reflexivo, a
análise mais crítica, o olhar multidimensional, voltado para a compreensão e
não julgamento do fato, mais conceitual e menos factual.
A metodologia torna-se de forma variada um
campo de disputa e celeumas entre os historiadores. Na busca do saber histórico não há certezas.
As fontes também são inquiridas e relativizadas. Há de se perguntar sobre a existência em si do documento: o que
vem a ser o documento? O que é capaz de nos dizer? Como podemos recuperar o
sentido deste seu dizer? Por que tal documento
existe? Quem o fez, em que circunstâncias e para que finalidade foi feita? Como
e por quem foi produzido? Para que e para quem se fez esta produção? Qual é a
relação do documento no universo da produção? Qual a finalidade e o caráter
necessário que comanda a sua existência? Sobre o significado
do documento como sujeito: por quem fala tal documento? De que história
particular participou? Que ação e que pensamentos estão contidos em seu significado? O que faz
perdurar como depósito da memória? Em que consiste seu ato de poder?
Não
podemos esquecer que ao longo da história, muitas vezes,
determinados grupos sociais se apropriam dos destinos de uma coletividade, ou
seja, escrevem a história sob o prisma da dominação e dos mecanismos de
funcionamento social que envolvem desigualdades e contradições. Estar no poder
implica para o “grupo vencedor” ter acesso à maior parte dos recursos humanos
com que conta a sociedade
(intelectuais, burocracia, sistemas de educação, de coerção, religião
etc.) e a possibilidade de influenciar – incentivando, desestimulando e até
proibindo – o que as pessoas falam e escrevem. Isso não quer dizer que outros
grupos “os vencidos”, não possam contar a história a seu modo, do seu ponto de
vista, a “subversão do fato”. Essas vozes, ou melhor, essas fontes de
informações, estão nos discursos, falas, e escritos, mas também em monumentos,
músicas, obras literárias, pinturas, obras de arte e até no silêncio.
Nessa lógica o que faz o historiador diante do Tempo Presente? Alguns
não se arriscam na pesquisa, uma vez que não há base teórica do fato recente, a
metodologia se vulnerabiliza diante da proximidade pesquisador/objeto, ambos
compartilham a trajetória temporal.
As fontes, em tempos de avançada tecnologia da informação, perdem a
prerrogativa e a legitimidade no lugar de memória. Há uma fluidez na velocidade
dos fatos, das rupturas e permanências. Como buscar a especialização sobre um
determinado assunto? Como esgotar a análise das fontes? Como produzir teoria diante
de novos acontecimentos? Esses entendem que Tempo Presente é assunto para
cientista político, sociólogo, jornalistas, comentaristas, economistas,
diplomatas...
Para outros “destemidos” historiadores, o Tempo Presente requer sim,
uma análise histórica. Claro que é um caminho escorregadio, não há o chão firme
do passado, as fontes não estão em arquivos, bibliotecas, no subsolo, achados
arqueológicos, ou nos porões; “elas estão no meio de nós”, nos jornais,
revistas, na propaganda, no bar, nas prisões, nas comunidades, aqui no Tempo
Presente. Este Tempo, que rompe a
velocidade da luz, exige do historiador a não especialização, olhar a história
totalizante com olhar investigativo, mas consciente das incertezas.
A análise histórica do Tempo
Presente permite possibilidades, interage com outras análises, dialoga com as
demais ciências humanas, torna possível a investigação e a interpretação do
objeto sem paradigmas, só argumentações.
Voltando a pergunta inicial, para que serve a
História? Ela ajuda o indivíduo a compreender o passado e se situar no presente
como interventor da sua história. Desperta uma visão crítica da sua realidade,
afasta o senso comum e as manipulações. A partir dela, da história, torna-se
possível ver e ler o mundo com novas lentes pelas quais a sociedade, o governo,
as relações de poder, a legislação vigente, como resultado de forças sociais. Forças estas que atravessam a miséria e as
injustiças sociais como conseqüências de apropriações e privilégios de grupos
dominantes.
Ensinar
História é o ofício do professor–pesquisador, na concepção de Paulo Freire, e
de Marc Boch, o desafio é de trazer a
história do mundo acadêmico, da erudição, para o cidadão comum. Decodificar a Babel
de conceitos com a obrigação de difundir e esclarecer o processo histórico, sem
fazer do ensino de História narrativa
literária ou ficção. Significa desenvolver no dia-a-dia a capacidade de “saber
falar” às crianças e aos doutos.
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