quarta-feira, 20 de março de 2013

A METÁFORA E O TRABALHO


“O que é metáfora?”

            Inicio a minha argumentação reportando-me à cena do filme “O carteiro e o poeta” de Michael Radford. O jovem carteiro Mário indaga ao poeta Pablo Neruda o que vem a ser uma metáfora. Este, primeiramente declama uma poesia, ao ouvi-la Mário fica estranho... enjoado, não pela qualidade da poesia, mas pelo movimento que o soar das palavras lhe provocaram. Relata ter se  sentido como num barco, sacudido pelas palavras. Neruda, bom professor, não perde a oportunidade de  mostrá-lo que ele fez uma metáfora.
Mário: "Mas, fazer metáfora assim, não vale. Foi sem querer".
Neruda: - "Querer não é importante. As imagens devem surgir espontaneamente".
Mário: - "Você quer dizer que o mundo todo, o mar, o céu com a chuva, as nuvens... o mundo todo, todo ele, é metáfora de alguma outra coisa?"
Nesta lógica, que metáforas envolvem o trabalho precário? A transformação do homem em mercadoria? Máquina? Robô? Lucro? Ou qualquer outro objeto descartável? Marx afirma que o trabalhador quando decai à condição de mercadoria “torna-se um ser estranho, um meio para sua existência individual”. Um ser destituído de sentido, degradado pelo trabalho alienado esvaziado de sua dimensão vital e social. Frigotto (2011, p.14) considera “um dos problemas psicossociais mais agudos da história humana (...)”.
Estas considerações assentam-se no grande contingente de profissionais lançado, anualmente, no mercado para o trabalho não-decente. Cabendo a esta classe-que-vive-do-trabalho[1] não só vender sua força de trabalho, mas corresponder ao modelo de competências, competitividade e produtividade. Esta é uma grande violência ideológica. “Aqueles que não encontram emprego ou são expulsos do mercado assim o são por incompetência ou por não terem acertado as escolhas, ou seja, as vítimas do sistema excludente viram os algozes de si mesmas” (FRIGOTTO, 2011, 46).
E este exército de mão-de-obra excedente que vive  fora do mercado movimenta outros mercados, mercados estes que movem sonhos e falsas ilusões a despeito de currículo, qualificação e titulações, levando o trabalhador já sob o espectro do desemprego a investir em graduações, especializações, Educação a distância, cursos preparatórios para concursos, MBA etc.
Desta forma, mais uma metáfora se constrói, a educação que se faz “máquina fornecedora de profissionais especializados e empregados subalternos”. (SNYDERS 2005, p. 97) Embora este tipo de formação privilegie uma racionalidade voltada para o mercado de trabalho, este mesmo mercado de trabalho não é revelado em sua inteireza para o estudante, logo se conclui que a sociedade neoliberal exige e proporciona o aumento da escolaridade para uma realidade precária, sem envolver aumento de reflexividade para o trabalhador. Para Snyders (2005, p.97) “[...] tanto a quantidade como a qualidade da mão-de-obra formada são determinadas pelos interesses em curto prazo dos monopólios”.
Há um longo e íngreme caminho a percorrer, o maior problema está nos  atalhos que buscamos para chegar mais rápido. Eles nos fazem caminhar em círculos e esgotam os esforços e os ânimos. A prática educacional hoje passa por este “descaminho”. A realidade aponta para a necessidade de reformas e os atalhos apontam para indicadores e avaliações que revelam há décadas a má qualidade do ensino e o desinteresse do cidadão em aprender nesses moldes, nesse formato obsoleto e ineficaz.  Esses dados sofríveis já falam por si só, deveriam ser subsídios para implantação de políticas educacionais, ao contrário, servem ao rechaço da sociedade, à desqualificação da educação pública e para o MEC, perdido no caminho, anunciar em rede nacional que os índices são otimistas.
Finalizo, voltando ao filme e a dúvida de Mário sobre metáfora. Educar um cidadão para a precarização vale ou não vale? Afirmo que não vale. O que é metáfora, então? Trabalho não é mercadoria. Educação  também não é mercadoria. Reformar não significa transformar. Indicadores são números e não traduzem a realidade. Autonomia e cidadania não são conteúdo didático, são valores e só serão ensinados se forem experimentados pelo educador.
Urge o tempo de se pensar mais sobre a educação e onde essa educação, hoje implantada, nos levará. É triste constatar que estamos “matando” brasileiros dentro das salas de aula, com a mais terrível e potente arma: a ideia ou a falta dela. Milhares deles morrem todos os dias, quando desistem da escola ou quando aderem à educação neoliberal, e os índices são otimistas...
Como pontuou o poeta querer não é suficiente, é necessário, muitas das vezes, que as metáforas surjam espontaneamente. 


REFERÊNCIAS:
ALVES, N, Garcia R L (orgs.). O sentido da escola. 5. ed. Petrópolis : DP ET Alli, 2008
ANTUNES, Ricardo. A dialética do trabalho: escritos de Marx e Engels (org).  São Paulo: Expressão Popular, 2004. 
________Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2ª edição – São Paulo : Boitempo, 2009 ( mundo do Trabalho).BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. São Paulo: Brasiliense, 2006 (Coleção Primeiros passos).
FRIGOTTO, Gaudêncio (org.) Educação e crise do Trabalho: Perspectivas de final de século. 10ª edição Petrópolis, RJ: Editora Vozes (Coleção Estudos Culturais em Educação), 2011.


SNYDERS, Georges. Escola, classes e luta de classes. Tradução Leila Prado. São Paulo: Centauro, 2005




[1] O termo classe-que-vive-do-trabalho foi utilizada por Antunes (2009) em referência à expressão marxista classe trabalhadora no sentido de conferir validade contemporânea. Este termo engloba o ser social que trabalha, são trabalhadores produtivos, que produzem diretamente mais-valia, e trabalhadores improdutivos, aqueles cujas formas de trabalho são usadas como serviços, seja para uso público, seja para o capitalista. Segundo Marx o trabalho improdutivo é consumido como valor de uso e não como trabalho que cria valor de troca. O trabalho improdutivo abrange um amplo leque de assalariados, desde aqueles inseridos no setor de serviços, bancos, comércio, turismo, serviços públicos etc. (ANTUNES, 2009, p.102)

Nenhum comentário:

Postar um comentário