“O
que é metáfora?”
Inicio
a minha argumentação reportando-me à cena do filme “O carteiro e o poeta” de Michael
Radford. O jovem carteiro Mário indaga ao poeta Pablo Neruda o que
vem a ser uma metáfora. Este, primeiramente declama uma poesia, ao ouvi-la
Mário fica estranho... enjoado, não pela qualidade da poesia, mas pelo
movimento que o soar das palavras lhe provocaram. Relata ter se sentido como num barco, sacudido pelas
palavras. Neruda, bom professor, não perde a oportunidade de mostrá-lo que ele fez uma metáfora.
Mário:
"Mas, fazer metáfora assim, não vale. Foi sem querer".
Neruda: - "Querer não é importante. As imagens devem surgir espontaneamente".
Neruda: - "Querer não é importante. As imagens devem surgir espontaneamente".
Mário:
- "Você quer dizer que o mundo todo, o mar, o céu com a chuva, as
nuvens... o mundo todo, todo ele, é metáfora de alguma outra coisa?"
Nesta lógica,
que metáforas envolvem o trabalho precário? A
transformação do homem em mercadoria? Máquina? Robô? Lucro? Ou qualquer outro objeto
descartável? Marx
afirma que o trabalhador quando decai à condição de mercadoria “torna-se um ser
estranho, um meio para sua existência individual”. Um ser destituído de
sentido, degradado pelo trabalho alienado esvaziado de sua dimensão vital e
social. Frigotto
(2011, p.14) considera “um dos problemas psicossociais mais agudos da história
humana (...)”.
Estas considerações assentam-se no grande contingente de
profissionais lançado, anualmente, no mercado para o trabalho não-decente. Cabendo
a esta classe-que-vive-do-trabalho[1] não
só vender sua força de trabalho, mas corresponder ao modelo de competências, competitividade
e produtividade. Esta é uma grande violência ideológica. “Aqueles que não
encontram emprego ou são expulsos do mercado assim o são por incompetência ou
por não terem acertado as escolhas, ou seja, as vítimas do sistema excludente
viram os algozes de si mesmas” (FRIGOTTO, 2011, 46).
E este exército de mão-de-obra excedente que vive fora do mercado movimenta outros mercados,
mercados estes que movem sonhos e falsas ilusões a despeito de currículo, qualificação
e titulações, levando o trabalhador já sob o espectro do desemprego a investir
em graduações, especializações, Educação a distância, cursos preparatórios para
concursos, MBA etc.
Desta forma, mais uma metáfora se constrói, a educação
que se faz “máquina fornecedora de profissionais especializados e empregados
subalternos”. (SNYDERS 2005, p. 97) Embora este tipo de formação privilegie uma
racionalidade voltada para o mercado de trabalho, este mesmo mercado de
trabalho não é revelado em sua inteireza para o estudante, logo se conclui que
a sociedade neoliberal exige e proporciona o aumento da escolaridade para uma
realidade precária, sem envolver aumento de reflexividade para o trabalhador.
Para Snyders (2005, p.97) “[...] tanto a quantidade como a qualidade da
mão-de-obra formada são determinadas pelos interesses em curto prazo
dos
monopólios”.
Há um longo e íngreme caminho a percorrer, o maior problema está nos atalhos que buscamos para chegar mais rápido.
Eles nos fazem caminhar em círculos e esgotam os esforços e os ânimos. A
prática educacional hoje passa por este “descaminho”. A realidade aponta para a
necessidade de reformas e os atalhos apontam para indicadores e avaliações que
revelam há décadas a má qualidade do ensino e o desinteresse do cidadão em aprender
nesses moldes, nesse formato obsoleto e ineficaz. Esses dados sofríveis já falam por si só,
deveriam ser subsídios para implantação de políticas educacionais, ao
contrário, servem ao rechaço da sociedade, à desqualificação da educação
pública e para o MEC, perdido no caminho, anunciar em rede nacional que os
índices são otimistas.
Finalizo, voltando ao filme e a dúvida de Mário sobre
metáfora. Educar um cidadão para a precarização vale ou não vale? Afirmo que
não vale. O que é metáfora, então? Trabalho não é mercadoria. Educação também não é mercadoria. Reformar não
significa transformar. Indicadores são números e não traduzem a realidade. Autonomia
e cidadania não são conteúdo didático, são valores e só serão ensinados se
forem experimentados pelo educador.
Urge o tempo de se pensar mais sobre a educação e onde
essa educação, hoje implantada, nos levará. É triste constatar que estamos
“matando” brasileiros dentro das salas de aula, com a mais terrível e potente
arma: a ideia ou a falta dela. Milhares deles morrem todos os dias, quando
desistem da escola ou quando aderem à educação neoliberal, e os índices são
otimistas...
Como pontuou o poeta querer não é suficiente, é
necessário, muitas das vezes, que as metáforas surjam espontaneamente.
REFERÊNCIAS:
ALVES, N, Garcia R L (orgs.). O
sentido da escola. 5. ed. Petrópolis : DP ET Alli, 2008
ANTUNES, Ricardo. A dialética do trabalho: escritos de
Marx e Engels (org). São Paulo:
Expressão Popular, 2004.
________Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação
e a negação do trabalho. 2ª edição – São Paulo : Boitempo, 2009 ( mundo do
Trabalho).BRANDÃO, Carlos
Rodrigues. O que é Educação. São
Paulo: Brasiliense, 2006 (Coleção Primeiros passos).
FRIGOTTO, Gaudêncio (org.) Educação e
crise do Trabalho: Perspectivas de final de século. 10ª edição Petrópolis,
RJ: Editora Vozes (Coleção Estudos Culturais em Educação), 2011.
SNYDERS, Georges. Escola, classes e luta de classes.
Tradução Leila Prado. São Paulo: Centauro, 2005
[1]
O termo
classe-que-vive-do-trabalho foi utilizada por Antunes (2009) em referência
à expressão marxista classe trabalhadora no sentido de conferir validade
contemporânea. Este termo engloba o ser social que trabalha, são trabalhadores
produtivos, que produzem diretamente mais-valia, e trabalhadores improdutivos,
aqueles cujas formas de trabalho são usadas como serviços, seja para uso
público, seja para o capitalista. Segundo
Marx o trabalho improdutivo é consumido como valor de uso e não como trabalho
que cria valor de troca. O trabalho improdutivo abrange um amplo leque de
assalariados, desde aqueles inseridos no setor de serviços, bancos, comércio,
turismo, serviços públicos etc. (ANTUNES, 2009, p.102)
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