Você conhece alguém que trabalhe sem carteira assinada? Sem direitos e garantias trabalhistas? Que trabalhe no serviço público como terceirizado, bolsista, estagiário, contratado, RPA, ou somente como cargo comissionado? Pois é, este trabalhador independente de sua função ou remuneração enquadra-se no conceito de precarização do trabalho. Um fenômeno global e crescente que vem se tornando parte da cultura profissional no setor industrial e fabril como também de serviços.
O conceito de trabalho
precário ou precarização do trabalho não se caracteriza por um paradigma unívoco,
nem linear, abrange uma diversidade de entendimentos, concepções e vertentes
ideológicas como teses que apresentam a flexibilização como resposta à crise do capital, outras que pregam o fim do trabalho ou o culto à competitividade, o trabalho informal, a empregabilidade etc. Este ensaio estrutura-se na concepção marxista sobre a atividade
humana e o mundo do trabalho, sob o pressuposto que a reestruturação das forças
produtivas implica em mutações nas relações de trabalho, ajustes e rearranjos
para a manutenção hegemônica do capital. Um fenômeno que vem se consolidando através de novos mercados, no
sentido plural e heterogêneo, no serviço público especificamente no Sistema Único de Saúde (SUS).
Avesso à forma legal de
provimento de cargos na administração pública, processo seletivo por concurso
público, esta demanda envolve fluxos
“compulsivos”, instáveis e volumosos, configurando-se em perda de direitos, desvinculação da relação
pedagógica do trabalho, discriminação, exclusão social, subemprego e
desemprego, como também a sujeição patronal e o enfraquecimento sindical que
impede mobilização e resistência coletivas dos trabalhadores.
Portanto, entre tantas destruições de forças
produtivas, da natureza e do meio ambiente, há também, em escala mundial, uma
ação destrutiva contra a força humana de trabalho, que encontra-se hoje na
condição de precarizada ou excluída Em verdade, estamos
presenciando a acentuação daquela tendência que István Mészáros sintetizou
corretamente, ao afirmar que o capital, desprovido de orientação humanamente
significativa, assume, em seu sistema
metabólico de controle social, uma lógica que é essencialmente destrutiva,
onde o valor de uso das coisas
é totalmente subordinado ao seu valor
de troca.[1]
(Mézáros
apud Ricardo Antunes, 1995)
(...) trabalho precário está relacionado aos
vínculos de trabalho no SUS que não garantem os direitos trabalhistas e
previdenciários consagrados em lei, seja por meio de vínculo direto ou
indireto. Ainda segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde e o Conselho Nacinal de Secretários Municipais de Saúde, mesmo que o vínculo seja
indireto, é necessário garantir o processo seletivo e, sobretudo, uma relação democrática
com os trabalhadores. Por sua vez, para as Entidades Sindicais que representam
os trabalhadores do SUS, trabalho precário está caracterizado não apenas como
ausência de direitos trabalhistas e previdenciários consagrados em lei, mas
também como ausência de concurso público ou processo seletivo público para
cargo permanente ou emprego público no SUS. Assim, Proteção social significa o pleno gozo de direitos
trabalhistas.
(Ministério da Saúde /
Desprecariza-SUS, 2006)
Assim como afirma Antunes, a precarização des-socializa a
dimensão ontológica do trabalho. Os dispositivos legais são ineficazes diante
da lógica do pensamento sob o espectro da empregabilidade, onde a formação
profissional caminha para o trabalho incerto. A matriz pedagógica do trabalho
(teoria, prática, percepções, subjetividades etc.) de grande relevância na
formação profissional, sofre uma “desconfiguração” mercadológica diante do
trabalho precarizado, referencial este, contraditório em face do sistema que
representa e gerador de conflitos e estranhamentos. Longe de transformar a
realidade, o (Des)precariza-sus prescreve, na esfera da abstração normativa,
estratégias de negação ao trabalho precarizado, sem removê-lo das relações
sociais cotidianas.
O resgate deste processo não perpassa somente pela
implementação de uma política de desprecarização. Há de se construir um resgate
cognitivo, uma validação de pertencimento social. Enfrentar o problema no contexto estrutural buscando
integração entre a educação e o trabalho – o saber-fazer. Esta ruptura não se
consolida a partir de políticas de gestão do trabalho, quando as condições de
subsistência suplantam as potencialidades de resistência do trabalhador, ela
emerge do espaço educacional em promover a internalização de valores éticos e emancipatórios
nos sujeitos para romper com o paradigma
neoliberal pala interlocução teórico-prática.
A partir destas observações surge o interesse em buscar
alternativas de enfrentamento ao trabalho precarizado pelo viés epistemológico.
Parte-se do pressuposto que as contradições do capitalismo e a crise do
trabalho são desafios a serem enfrentados pelos espaços de formação
profissional, na construção de uma cultura de reflexão cunhada em valores
emancipatórios voltados para a transformação do ethos em
saúde. Pautar-se na pedagogia do risco para desenvolver no futuro profissional saberes e práticas
que priorizem a ética do trabalho como um
processo histórico-ontológico do ser humano e reconhecendo o trabalho na saúde
como ação política que exige compromisso com o coletivo. É, sobretudo,
mobilizar a teoria para incidir e intervir sobre a realidade; considerando
teoria e prática como processos indissociáveis que possuem limites políticos, institucionais,
teóricos e metodológicos.
Renata Nideck 21/03/2013
Renata Nideck 21/03/2013
ANTUNES, Ricardo; ALVES Giovanni. As
mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital. Educ. Soc., Campinas, vol. 25,
n. 87, p. 335-351, maio/ago. 2004 335 Disponível em http://www.cedes.unicamp.br
______________ Os sentidos do
trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2ª edição – São
Paulo : Boitempo, 2009 ( mundo do Trabalho).
APPLE,
Michael W. Para além da lógica do mercado: compreendendo e opondo-se ao
neoliberalismo. Rio de janeiro : DP& A Editora, 2005.
BRASIL, Ministério da
Saúde. Programa Nacional de Desprecarização do Trabalho em Saúde –
Desprecariza-sus. Brasília: DF, 2006.
[1]
Segundo Mészàros, (2002) a crise do capital se manifesta em quatro aspectos:
caráter universal (não se restringe a uma esfera particular – financeira ou
comercial), alcance global (não se limita a um conjunto de países), escala de
tempo extensa (contínua e permanente) e modo de desdobrar rastejante.
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