quarta-feira, 20 de março de 2013

PARA COMEÇO DE CONVERSA...


Você conhece alguém que trabalhe sem carteira assinada? Sem direitos e garantias trabalhistas? Que trabalhe no serviço público como terceirizado, bolsista, estagiário, contratado, RPA, ou somente como cargo comissionado? Pois é, este trabalhador independente de sua função ou remuneração enquadra-se no conceito de precarização do trabalho. Um fenômeno global e crescente que vem se tornando parte da cultura profissional no setor industrial e  fabril  como também de serviços.   
  O conceito de trabalho precário ou precarização do trabalho não se caracteriza por um paradigma unívoco, nem linear, abrange uma diversidade de entendimentos, concepções e vertentes ideológicas como teses que apresentam a flexibilização como resposta à crise do capital, outras que pregam o fim do trabalho ou o culto à competitividade, o trabalho informal, a empregabilidade etc. Este ensaio estrutura-se na concepção marxista sobre a atividade humana e o mundo do trabalho, sob o pressuposto que a reestruturação das forças produtivas implica em mutações nas relações de trabalho, ajustes e rearranjos para a manutenção hegemônica do capital. Um fenômeno que vem se consolidando através de novos mercados, no sentido plural e heterogêneo, no serviço público especificamente no Sistema Único de Saúde (SUS).   
Avesso à forma legal de provimento de cargos na administração pública, processo seletivo por concurso público,  esta demanda envolve fluxos “compulsivos”, instáveis e volumosos, configurando-se em perda de direitos, desvinculação da relação pedagógica do trabalho, discriminação, exclusão social, subemprego e desemprego, como também a sujeição patronal e o enfraquecimento sindical que impede mobilização e resistência coletivas dos trabalhadores.
Portanto, entre tantas destruições de forças produtivas, da natureza e do meio ambiente, há também, em escala mundial, uma ação destrutiva contra a força humana de trabalho, que encontra-se hoje na condição de precarizada ou excluída Em verdade, estamos presenciando a acentuação daquela tendência que István Mészáros sintetizou corretamente, ao afirmar que o capital, desprovido de orientação humanamente significativa, assume, em seu sistema metabólico de controle social, uma lógica que é essencialmente destrutiva, onde o valor de uso das coisas é totalmente subordinado ao seu valor de troca.[1]
(Mézáros apud Ricardo Antunes, 1995)

 (...) trabalho precário está relacionado aos vínculos de trabalho no SUS que não garantem os direitos trabalhistas e previdenciários consagrados em lei, seja por meio de vínculo direto ou indireto. Ainda segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde  e o Conselho Nacinal de Secretários Municipais de Saúde, mesmo que o vínculo seja indireto, é necessário garantir o processo seletivo e, sobretudo, uma relação democrática com os trabalhadores. Por sua vez, para as Entidades Sindicais que representam os trabalhadores do SUS, trabalho precário está caracterizado não apenas como ausência de direitos trabalhistas e previdenciários consagrados em lei, mas também como ausência de concurso público ou processo seletivo público para cargo permanente ou emprego público no SUS. Assim, Proteção social significa o pleno gozo de direitos trabalhistas.
(Ministério da Saúde / Desprecariza-SUS, 2006)

Assim como afirma Antunes, a precarização des-socializa a dimensão ontológica do trabalho. Os dispositivos legais são ineficazes diante da lógica do pensamento sob o espectro da empregabilidade, onde a formação profissional caminha para o trabalho incerto. A matriz pedagógica do trabalho (teoria, prática, percepções, subjetividades etc.) de grande relevância na formação profissional, sofre uma “desconfiguração” mercadológica diante do trabalho precarizado, referencial este, contraditório em face do sistema que representa e gerador de conflitos e estranhamentos. Longe de transformar a realidade, o (Des)precariza-sus prescreve, na esfera da abstração normativa, estratégias de negação ao trabalho precarizado, sem removê-lo das relações sociais cotidianas.
O resgate deste processo não perpassa somente pela implementação de uma política de desprecarização. Há de se construir um resgate cognitivo, uma validação de pertencimento social.  Enfrentar o problema no contexto estrutural buscando integração entre a educação e o trabalho – o saber-fazer. Esta ruptura não se consolida a partir de políticas de gestão do trabalho, quando as condições de subsistência suplantam as potencialidades de resistência do trabalhador, ela emerge do espaço educacional em promover a internalização de valores éticos e emancipatórios nos sujeitos para  romper com o paradigma neoliberal pala interlocução teórico-prática.  
A partir destas observações surge o interesse em buscar alternativas de enfrentamento ao trabalho precarizado pelo viés epistemológico. Parte-se do pressuposto que as contradições do capitalismo e a crise do trabalho são desafios a serem enfrentados pelos espaços de formação profissional, na construção de uma cultura de reflexão cunhada em valores emancipatórios voltados para a transformação do ethos  em saúde. Pautar-se na pedagogia do risco para desenvolver no futuro profissional  saberes e práticas que priorizem a ética do trabalho  como um processo histórico-ontológico do ser humano e reconhecendo o trabalho na saúde como ação política que exige compromisso com o coletivo. É, sobretudo, mobilizar a teoria para incidir e intervir sobre a realidade; considerando teoria e prática como processos indissociáveis que possuem limites políticos, institucionais, teóricos e metodológicos. 
 Renata Nideck 21/03/2013





ANTUNES, Ricardo; ALVES Giovanni. As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital. Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 87, p. 335-351, maio/ago. 2004 335 Disponível em http://www.cedes.unicamp.br
______________ Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2ª edição – São Paulo : Boitempo, 2009 ( mundo do Trabalho).
APPLE, Michael W. Para além da lógica do mercado: compreendendo e opondo-se ao neoliberalismo. Rio de janeiro : DP& A Editora, 2005.
BRASIL, Ministério da Saúde. Programa Nacional de Desprecarização do Trabalho em Saúde – Desprecariza-sus. Brasília: DF, 2006.






[1] Segundo Mészàros, (2002) a crise do capital se manifesta em quatro aspectos: caráter universal (não se restringe a uma esfera particular – financeira ou comercial), alcance global (não se limita a um conjunto de países), escala de tempo extensa (contínua e permanente) e modo de desdobrar rastejante. 

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