Amo
São Paulo! Durante muito tempo resisti
em conhecer a maior cidade da América Latina. Achava aglomerada demais,
indiferente demais, caótica demais! Todos
têm pressa, ternos, tailleurs, buzinas, correria insana, o coração taquiarrítmico
do Brasil não pode parar, nunca!. Puro preconceito porque na verdade falava de
algo que não conhecia. Hoje a megalópole me conquistou. Os arranha-céus
espelhados, a multicultural Avenida Paulista, a lindeza de “As Meninas” do
MASP, a subida da Consolação que sempre
me lembra a São Silvestre, o glamour da Oscar Freire, sem falar da
gastronomia... Como não amar os restaurantes, cantinas, feiras, mercados? Um festival de delícias! São Paulo é rua,
praça, manifestos, parques, autódromo, bicicletas e patins, São Paulo é
botequim!
Avenida Paulista SP |
Segundo
o pesquisador Assis Ângelo, São Paulo é a cidade mais cantada do Brasil. Pensou
que fosse o Rio de Janeiro? Não! São mais de 3000 músicas que cantam os seus encantos. Que mistério há nesse lugar que desperte tenta inspiração? Talvez a inspiração brote
do estranhamento, como Caetano tão bem explica em Sampa: “É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi, da dura poesia concreta de tuas
esquinas, da deselegância discreta de tuas meninas (...) E quem vem do outro sonho feliz da cidade
aprende depressa a chamar-te de
realidade. Porque és o avesso, do avesso, do avesso, do avesso”. Pode ser inspiração do
desconforto ambíguo como declara o
rapper Criolo: “Não existe amor em SP. Um labirinto místico onde os grafites
gritam. Não dá pra descrever numa linda frase de um postal tão doce. São Paulo
é um buquê. Buquê são flores mortas num lindo arranjo feito pra você. Não
existe amor em SP! Os Racionais Mc’s completam, “(...) é estresse concentrado,
um coração ferido por metro quadrado”.
Com
saudade da filha e do agito da cidade retornei mês passado a São Paulo, dessa
vez levei minha mãe de 82 anos para conhecer
e curtir um pouco de Sampa. No nosso giro pela cidade circulamos com motoristas de aplicativos do Maranhão, de
Pernambuco, do Rio de Janeiro, do Paraná e até gringo. Nos restaurantes, museus e lojas nos atenderam jovens simpáticos do Espírito
Santo, do Pará, de Minas Gerais e de tantos outros Brasis. Numa loja na Oscar Freire minha mãe
conversando com um vendedor do Piauí indagou - Uéee! Cadê os paulistas (paulistanos)
dessa cidade? - Estão todos no Itaim! Respondeu o jovem com sagacidade. Em sua
ingenuidade minha mãe não entendeu a lógica do avesso, do avesso, do avesso!
Interessante
constatar quantas cidades cabem dentro de uma cidade. A cidade dos grandes conglomerados financeiros, das fábricas, dos restaurantes, do turismo, dos
bairros de imigração, do submundo, dos retirantes, dos alagados, tem uma cidade para cada um. . A desigual geografia cerca os contrastes dos jovens do Itaim por muros físicos
ou imaginários, mas também agrega os outsiders por pontes, viadutos e esquinas. A dinâmica do espaço social
em que ocorrem movimentos de aproximação e afastamento, onde se produzem e
reelaboram conhecimentos, valores e significados. Um terreno cultural
caracterizado por vários graus de acomodação, contestação e resistência, uma
pluralidade de linguagens e objetivos conflitantes.
Na
realidade deste caleidoscópio urbano descubro a existência da Esquina dos Desempregados em São Paulo -
essa esquina fica entre as ruas Barão de
Itapetininga e Dom José de Barros no
Centro. Trata-se de um calçadão numa região repleta de agências de empregos temporários,
subempregos e pequenos bicos. Diariamente operários da construção civil se dirigem
para a região com documentos e uniformes na esperança de conseguir uma obra, uma ocupação, um trampo ou um bico. Essa prática existe desde a década de 70, anteriormente
situada no Brás e na Luz. Por conta do crescente desemprego, a freqüência de
agenciadores torna-se cada vez mais escassa, quando aparece algum circula, conversa
com um e outro, verifica documentos e pechincha o valor do serviço ou contrato
temporário. Na inexistência de vaga ou quando dispensados, o dia está perdido, eles conversam, relembram épocas melhores, tomam uma cachaça e voltam para casa. A escassez de vagas aumenta o movimento da esquina, a exploração da
força de trabalho, a miséria e o consumo de álcool e diminui a esperança dos
operários principalmente os mais idosos e desqualificados.
Esse fenômeno me faz recordar das cenas sobre a Grande
Depressão de 1929, quando a massa de desempregados (homens, mulheres e
crianças) se dirigia para as portas das fábricas e indústrias sujos, sofridos e
famintos e aos gritos se candidatavam para vagas temporárias ou bicos. Triste
constatar que quase um século depois o trabalhador continua no mundo das
incertezas. No que tange as relações do trabalho no Brasil estamos sob a
ditadura (legitimada pelo voto) não só política, mas das reformas neoliberais, das
tecnologias, da lógica do não-emprego, do mercado, da uberização dos serviços, da flexibilização e da
empregabilidade. “a galinha dos ovos
de ouro” para a lucratividade e hegemonia do capital.
Em breve voltarei a observar a cidade, mas da próxima vez do ponto de vista dos
grafites. Não os grafites de grife, criados a partir da estética dos contratos para
enfeitar os muros da cidade, mas pelos grafites descritos por Criolo. Aqueles que gritam, pedem socorro, desbotam a
cor, denunciam a dor da cidade e por tanto incomodar foram calados. Realmente Não Existe Amor em SP!
Não
existe amor na Esquina dos Desempregados de SP nem na esquina de qualquer outro lugar!
Créditos:
Não existe amor em SP - Criolo
Sampa
– Caetano Velloso
Vida
Loka (2ª parte) - Racionais Mc’s
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