Assim como andar de bicicleta,
nadar, dirigir ou fazer um bolo, escrever também é uma atividade que exige exercício,
esforço e prática diária. Entretanto, por puro desânimo deixei o blog hibernando
por seis longos invernos. Hoje, em recuperação de uma forte gripe, meio por
encanto, volto a escrever. Confesso que a hora da largada sempre causa tensão,
um medo de faltar fôlego de ideias, de desequilibrar na objetividade, de diminuir
o ritmo de criatividade ou de "solar" o bolo no final e tornar tudo sem sabor e muito
enfadonho. Pois bem, decido correr o risco...
Pra começar preciso relembrar os
temas já debatidos neste blog, leio, reflito e penso: nossaaaaaaa!!! Como sou truculenta na
escrita!!!! O fato é que as relações de trabalho no front da precarização e precariedade do
trabalhador descarregam jatos de adrenalina em mim. É um exercício
desgastante! Deus poderia ter me dado talento para escrever sobre maquiagem,
moda, culinária, cultivo de orquídeas, religião, viagem (que tanto amo), mas
não! Escrevo sobre aquilo que me causa indignação e incômodo - as transformações
nas relações de trabalho que procuro conhecer e principalmente do meu lugar de
fala - o Sistema Único de Saúde - o SUS. Dessa forma, o Desprecariza-ação
tem algo de trincheira, denúncia e manifesto.
Interessante como o tema me salta
aos olhos. Entro no Uber e o motorista é um engenheiro desempregado há cinco
anos, vou à farmácia e a operadora do caixa tem no crachá função de farmacêutica, a
vendedora da loja é publicitária, a garçonete fez Direito e quer fazer concurso, na audiência conheço a advogada da empresa uma prestadora de serviço “audiencista” free lancer, a
professora percorre três colégios recebendo por autonomia, o estagiário de Direito atende balcão e organiza armário no Tribunal de Justiça, a enfermeira tem carga horária excedente por causa do
cafezinho. Esses tristes exemplos me fazem indagar: qual o papel das universidades na formação de
profissionais para o desemprego (ou subemprego)?
Não consigo entender a
espetacularização do tal empreendedorismo ou capitalismo flexível que vez por
outra assistimos no Globo Repórter. Afinal, você conhece algum ambulante que vendendo
água na praia ganhou seu primeiro milhão e hoje tem uma distribuidora de
bebidas? Conhece alguma faxineira que economizou a ponto de tornar-se proprietária
de um restaurante? Ouviu falar de algum vendedor de laranja da beira da
estrada que com muito trabalho virou um empresário bem sucedido?
Alguém conhece? Eu, não! Só no Globo Repórter e na Igreja
Universal. Ao contrário, conheço faxineiras e domésticas que trabalharam até
quando suportaram e sua descendência, sem a necessária formação educacional,
perpetua a mesma atividade em residências, mercados, prédios, portarias e
empresas de limpeza. Seria maldição hereditária? Não. Trata-se da
invisibilidade dos menos favorecidos nas prioridades dos governantes de
ocasião.
O Professor Ricardo Antunes afirma numa
entrevista que “o proletariado não acabou, ao contrário do que
muitos previram e desejaram. Ele se transformou”. Dessa transformação o que nos tornamos,
afinal? Colaboradores!!! A glamorização dos colaboradores. Sim, o colaborador não reclama, não reivindica,
não pede aumento. Ele é imprescindível para o crescimento da empresa, é quase
um sócio! Mas, quando a lucratividade da empresa cai frente à crise, listas de
colaboradores são demitidos e os demais têm que se desdobrar para substituí-los.
Nesses
seis anos, muita coisa mudou! No Sistema Único de Saúde – SUS, o servidor
público, concursado, estatutário, empossado e lotado num determinado setor chega
ao fim, substituído por uma babel de “colaboradores” terceirizados,
contratados, comissionados, estagiários,
autônomos, celetistas, voluntários etc. Como trilhar uma lógica assistencial de cuidado na perspectiva da humanização, se o trabalhador, o profissional, o prestador de serviço exerce sua
função em permanente desumanização, tratado como um elemento descartável sob a
espada da demissão? Certa vez escutei uma gestora afirmar que a crise favorece
a empresa a obter o melhor profissional pelo menor preço (me lembrei das
promoções de supermercado Leve3 /Pague 2).
Chego
ao fim, perguntando o que fazer? Resistir,
resistir sempre! Podemos usar as redes sociais para escrever, criar, refletir,
incomodar, desassossegar, revolucionar, até a exaustão, essa lógica crescente da servidão nas
relações de trabalho. Proponho começar pela des/glamorização do termo colaborador (co-labor significa trabalhar em igualdade de condições). O que somos, afinal? Operários, funcionários,
servidores, proletários, trabalhadores... qualquer nome que nos lembre que temos um patrão público ou privado que compra nossa força de trabalho pelo menor preço a serviço
do lucro e do capital. Para hoje deixo a
poesia de Geraldo Vandré cantada por Jair Rodrigues em 1966:
Prepare seu coração, pras coisas
que eu vou contar, eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão. Eu venho lá do
sertão e posso não lhe agradar.
Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar.
E a morte,
o destino, tudo,
e a morte e o destino tudo estava fora do lugar.
E eu vivo pra
consertar.
Até
breve!
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