quarta-feira, 18 de setembro de 2019

6 ANOS DEPOIS... PREPARE SEU CORAÇÃO!!!

Assim como andar de bicicleta, nadar, dirigir ou fazer um bolo, escrever também é uma atividade que exige exercício, esforço e prática diária. Entretanto, por puro desânimo deixei o blog hibernando por seis longos invernos. Hoje, em recuperação de uma forte gripe, meio por encanto, volto a escrever. Confesso que a hora da largada sempre causa tensão, um medo de faltar fôlego de ideias, de desequilibrar na objetividade, de diminuir o ritmo de criatividade ou de "solar" o bolo no final e tornar tudo sem sabor e muito enfadonho. Pois bem, decido correr o risco... 

Pra começar preciso relembrar os temas já debatidos neste blog, leio, reflito e penso: nossaaaaaaa!!! Como sou truculenta na escrita!!!! O fato é que  as relações de trabalho no front da precarização e precariedade do trabalhador descarregam jatos de adrenalina em mim. É um exercício desgastante! Deus poderia ter me dado talento para escrever sobre maquiagem, moda, culinária, cultivo de orquídeas, religião, viagem (que tanto amo), mas não! Escrevo sobre aquilo que me causa indignação e incômodo - as transformações nas relações de trabalho que procuro conhecer e principalmente do meu lugar de fala - o Sistema Único de Saúde - o SUS.  Dessa forma, o Desprecariza-ação tem algo de trincheira, denúncia e manifesto.

Interessante como o tema me salta aos olhos. Entro no Uber e o motorista é um engenheiro desempregado há cinco anos, vou à farmácia e a operadora do caixa tem no crachá função de farmacêutica, a vendedora da loja é publicitária, a garçonete fez Direito e quer fazer concurso, na audiência conheço a advogada da empresa uma prestadora de serviço “audiencista” free lancer, a professora percorre três colégios recebendo por autonomia, o estagiário de Direito atende balcão e organiza armário no Tribunal de Justiça, a enfermeira tem carga horária excedente por causa do cafezinho. Esses tristes exemplos me fazem indagar: qual  o papel das universidades na formação de profissionais para o desemprego    (ou subemprego)?  

Não consigo entender a espetacularização do tal empreendedorismo ou capitalismo flexível que vez por outra assistimos no Globo Repórter. Afinal, você conhece algum ambulante que vendendo água na praia ganhou seu primeiro milhão e hoje tem uma distribuidora de bebidas? Conhece alguma faxineira que economizou a ponto de tornar-se proprietária de um restaurante? Ouviu falar de algum vendedor de laranja da beira da estrada que com muito trabalho virou um empresário bem sucedido?  Alguém conhece?  Eu, não! Só no Globo Repórter e na Igreja Universal. Ao contrário, conheço faxineiras e domésticas que trabalharam até quando suportaram e sua descendência, sem a necessária formação educacional, perpetua a mesma atividade em residências, mercados, prédios, portarias e empresas de limpeza. Seria maldição hereditária? Não. Trata-se da invisibilidade dos menos favorecidos nas prioridades dos governantes de ocasião. 

O Professor Ricardo Antunes afirma numa entrevista que  “o proletariado não acabou, ao contrário do que muitos previram e desejaram. Ele se transformou”. Dessa transformação o que nos tornamos, afinal? Colaboradores!!! A glamorização dos colaboradores.  Sim, o colaborador não reclama, não reivindica, não pede aumento. Ele é imprescindível para o crescimento da empresa, é quase um sócio! Mas, quando a lucratividade da empresa cai frente à crise, listas de colaboradores são demitidos e os demais têm que se desdobrar para substituí-los.


Nesses seis anos, muita coisa mudou! No Sistema Único de Saúde – SUS, o servidor público, concursado, estatutário, empossado e lotado num determinado setor chega ao fim, substituído por uma babel de “colaboradores” terceirizados, contratados,  comissionados, estagiários, autônomos, celetistas, voluntários etc. Como trilhar uma lógica assistencial  de cuidado na perspectiva da humanização,  se o trabalhador, o profissional, o prestador de serviço exerce sua função em permanente desumanização, tratado como um elemento descartável sob a espada da demissão? Certa vez escutei uma gestora afirmar que a crise favorece a empresa a obter o melhor profissional pelo menor preço (me lembrei das promoções de supermercado Leve3 /Pague 2).  

 Chego ao fim, perguntando o que fazer?  Resistir, resistir sempre! Podemos usar as redes sociais para escrever, criar, refletir, incomodar, desassossegar, revolucionar, até a exaustão, essa lógica crescente da servidão nas relações de trabalho. Proponho começar pela des/glamorização  do termo colaborador   (co-labor significa  trabalhar em igualdade de condições). O que somos, afinal? Operários, funcionários, servidores, proletários, trabalhadores... qualquer nome que  nos lembre que temos  um patrão público ou privado que compra  nossa  força de trabalho pelo menor preço a serviço do lucro e do capital.  Para hoje deixo a poesia de Geraldo Vandré cantada por Jair Rodrigues em 1966:

Prepare seu coração, pras coisas que eu vou contar, eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão. Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar.
Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar. 
E a morte, o destino, tudo, 
e a morte e o destino tudo estava fora do lugar.
 E eu vivo pra consertar.


Até breve!

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