Boa tarde, Planeta Terra!
Depois de dois anos de
silêncio, estou de volta!
Volto com novidades... Filhos
casados, sessões de terapia (o mundo agradece), aulas de pintura a óleo e
aquarela, muitas séries, alguns livros e aposentadoria a caminho.
Apesar de estar no modo light, sigo sem confiar no capitalismo
flexível, assustada com a precarização do trabalho, impaciente com o discurso
neoliberal, solidária ao autoempreendedorismo, descrente da bancada evangélica,
com preguiça dos coaches e dos antivacinas e por aí vai...
Sempre é bom enfatizar que este blog foi
criado para incomodar, para constranger o senso comum ou, simplesmente,
levantar suspeitas sobre as obviedades.
Nesta nova temporada, a
intenção é trazer textos mais curtos, informais e sem rigidez acadêmica. Os
artigos, em formato mais fluido, continuam trazendo em seu DNA referências
conceituais e filosóficas indispensáveis para a investigação do tema. Seguindo Paulo
Freire, estou aprendendo a escrever a minha palavra, historicizar-me, biografar-me
e testemunhar a minha existência e de muitas mulheres interessantes numa
verdadeira miscelânea literária.
Vamos começar por Lídia
Poët.
Lídia nasceu na Itália em 1855, era normalista, ingressou no magistério, fez Direito anos mais tarde na Universidade de Turim, formando-se em 1881. Muito embora tenha cumprido todos os trâmites legais para inscrição na Ordem dos Advogados da Itália, Lídia teve seu registro revogado pela Procuradoria Geral do Reino, pela Corte de apelação e também pelo Tribunal de Cassação. A tese apresentada para a revogação do registro baseava-se apenas na manutenção de um paradigma – a Advocacia não é profissão para mulher!
As Cortes de apelação
apresentaram alegações vinculadas à discriminação de gênero e ao direito de
costumes. A negativa do registro apontava a fragilidade biológica, o papel
social, a moral, a estética, o risco da sedução etc.. Uma
lógica sexista disfarçada de protetiva, que até hoje as mulheres precisam pagar
um alto preço para romper. Assim, por anos, Lidia Poët exerceu a advocacia como
assistente de seu irmão, Giovanni Enrico.
Embora, os casos apresentados na série sejam ficcionais, a luta desta
mulher foi real e perdurou por toda sua vida. Ela integrou o Conselho Nacional
das Mulheres Italianas, lutou pelo voto feminino, militou pelo direito da
mulher exercer a advocacia, pela reforma penitenciária, pelo direito da
criança, pela admissão de mulheres ao serviço público, trabalhou como
voluntária na Primeira Guerra Mundial e integrou o Comitê de Refugiados da
Comuna de Pinerolo.
Depois de anos na
invisibilidade profissional, em 1920, amparada pela Lei n. 1.179, de 17 de
julho de 1919, Lidia Poët finalmente ingressou na Ordem dos Advogados,
tornando-se, aos 65 anos, a primeira mulher advogada da Itália.
No Brasil de hoje, a Ordem dos Advogados continua sendo dos advogados.
Por que não Ordem da Advocacia? Seria tão óbvio, uma vez que 53,6% dos profissionais inscritos na Ordem dos
Advogados são mulheres. Segundo dados do Conselho Federal da OAB, 623.285
mulheres exercem a advocacia no país. Das 27 Seccionais da OAB, 05 são
presididas por mulheres (18,5%). Somando todas as Cortes Superiores de
Brasília, temos 90 ministros, sendo 17 mulheres (19%). São números que
inspirariam outra séria... “Lídia Poët, 143 anos depois”.
Para além da
sub-representatividade das mulheres nos espaços de poder, ainda amargamos denúncias
e mais denúncias de assédios moral e sexual, etarismo, piadas misóginas,
discriminação, racismo, desigualdades na ascensão de cargos e carreiras, distorção
de salários e oportunidades, sem minimizar o colaboracionismo estrutural.
A capa da Revista da OAB/DF
de 14/09/2020 trouxe o título “Com que roupa eu vou? A advocacia pede estilo
elegante, tradicional e clássico”. Uma especialista em dress code, imagem corporativa, analisa a importância da construção
de uma imagem positiva para adequação profissional a cada situação. Até
concordo que elegância e canja de galinha não fazem mal a ninguém, mas daí a
estar na capa de uma revista informativa
da OAB?
Este dress code corporativo me fez pensar nas obras de Banksy. Trata-se do artista de rua mais famoso do mundo, ex-grafiteiro, ativista político, cineasta, artista plástico e provocador da burguesia. Talvez seja britânico (ninguém sabe), porque sua identidade permanece no anonimato. Ganhou notoriedade por suas intervenções artísticas em lugares inusitados de várias cidades no epicentro do poder.
Podemos dizer que a arte de Banksy é um anti-dress code da sociedade.
Durante a pandemia, Banksy pintou
muitos ratos como figuras representativas do nosso cotidiano. Ratos no banheiro, no metrô, nas paredes, nos escritórios, por toda parte. Os ratos
simbolizam os porões das relações sociais desumanizadas. Humanos parasitas de
humanos, explorados por humanos, exterminados por humanos, excluídos por
humanos, normatizados por humanos. Estão por toda a parte, nascem, crescem,
comem, estudam, procriam, trabalham, parecem humanos, mas são ratos!
As flores de Frida Pinto flores para que elas não morram. Frida Kahlo
Se o mundo tem ratos, também
tem flores! E como nada é por acaso, enquanto
eu acompanhava a série Lidia Poët, também li a biografia e visitei a exposição de
Frida Kahlo. Desta imersão, nasceu a ideia de observar, sentir e ouvir o que essas
mulheres têm a nos dizer.
Lidia Poët, uma mulher do
século XIX, interior da Itália, buscou subverter o patriarcado lutando por direitos,
autonomia e representatividade. Já Frida, militante, do século XX, orgulhosa da
revolução mexicana, viveu a transgressão, a sexualidade livre e a valorização
artística de suas tradições.
A advocacia conferiu a Lídia
Poët uma racionalidade técnica e normativa. Sob esta lógica, após o cancelamento do seu
registro na Ordem dos Advogados, ela permaneceu na informalidade do exercício profissional,
à sombra do irmão Enrico. Da mesma forma, Frida era conhecida como a mulher do
famoso muralista Diego Rivera. Embora a arte fizesse parte de sua vida desde a
adolescência, ela se sentia ofuscada diante da genialidade de Diego.
Em sua carreira Lidia esteve
à frente de várias lutas sociais e políticas, optou, assim, por abdicar da prole e de um relacionamento familiar
estável. Apesar dos dissabores, teve longevidade e morreu com 94 anos. Seu nome
é lembrado e homenageado em ruas, escolas, monumentos, biografias e filmografias.
Já Frida, teve poliomielite na infância e seqüelas de um grave acidente na
adolescência, razões da impossibilidade para gerar filhos. Desde cedo Frida
aprendeu a conviver com tratamentos dolorosos, próteses, cirurgias e inúmeras
internações, talvez seja esse o motivo de tantos autorretratos. “Eu me pinto
porque estou sempre sozinha e porque sou o sujeito que conheço melhor”.
Segundo as declarações do
amigo e fotógrafo Nickolas Muray, apesar das limitações físicas e emocionais, Frida
mantinha regularmente um ritual matinal. Acordava, vestia-se com capricho,
penteava delicadamente o longo cabelo, fazia o clássico penteado e o enfeitava
com flores colhidas do jardim. Este ritual, com trajes típicos, adornos e
flores, não simbolizava a vaidade da artista, mas a sua capacidade de “pintar a
tela” da sua existência, resistir e sobreviver, assim como registrou em sua
última obra – Viva la vida!
Que possamos aprender com essas mulheres maravilhosas que todos os dias enfeitam suas mentes e corpos com flores e sonhos e saem para enfrentar os ratos do cotidiano.
Sempre há esperança! (Banksy)
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