segunda-feira, 15 de junho de 2020

ESCRITOS DO ISOLAMENTO PARTE 4

         A Silenciosa highway da pandemia


 Este blog - Desprecariza-ação - foi criado em 2013, como produto da minha dissertação de Mestrado, cujo objeto de pesquisa norteia o mundo do trabalho e o crescimento da precarização nas relações de trabalho a partir da década de 80, principalmente no setor saúde. Sem qualquer rigor metodológico, toda a produção textual do blog visa apresentar reflexões e críticas numa estética pouco ortodoxa, ora utilizando ferramentas teóricas e formais, ora utilizando músicas, filmes, piadas, sarcasmo e outros formatos de manifesto e desabafo. Os Escritos do Isolamento, textos produzidos durante a pandemia do coronavírus, seguem essa mesma premissa libertária, sendo que essa parte 4 que acabo de escrever tem algo de especial; são impressões que emanam individualidade e subjetividade da narrativa em 1ª pessoa, assumindo o protagonismo da minha própria história de luta, como mulher, profissional de saúde, servidora pública, historiadora e antifascista.   Boa leitura!



Hoje acordei cedo. Tempo nublado, um vento frio de maio... a repórter do tempo prometeu um dia de sol, mas ele não veio. Pensando bem, não há motivo para o astro brilhar!


O dia está nublado, tem pandemia há mais de setenta dias, mas tem trabalho também!  Nem todas as atividades profissionais possibilitam o isolamento social. No meu caso, como enfermeira de Unidade Básica de Saúde (UBS) em plena campanha de vacinação contra Influenza seria correto dizer que praticamos o “ajuntamento social”.   

A UBS em que trabalho situa-se no Centro de Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. Diferente das outras campanhas, este ano, a vacinação foi deslocada para um posto itinerante no Teatro Municipal João Caetano. A estratégia visava manter o distanciamento necessário dos idosos e demais grupos nas filas e também manter o fluxo de entrada e saída sem muito contato entre os usuários.

Com um extenso currículo em vacinação, confesso que já participei de campanha em creches, escolas, shopping, centro cultural, centro espírita, igrejas, museu e até carceragem, mas em teatro foi a primeira vez. Considerado um dos cartões postais da cidade, o espaço elegante de estilo neoclássico possui uma movimentada agenda artística e abriga desde 1827 a história cultural da cidade. Não saberia contar quantos espetáculos maravilhosos já assiste neste lugar. No silêncio da ampla recepção de tábua corrida com cheiro de madeira nobre traço essas linhas no intervalo do almoço.

Como descrito acima o teatro situa-se no centro da cidade, em frente ao shopping mais freqüentado pela sociedade niteroiense. O dinâmico vai e vem de bolsas, sacolas, encontros, cineminha, táxis, cafezinho, almoço executivo etc. foi substituído por tapumes e silêncio!  Pela porta de vidro do teatro observo a circulação de pessoas na rua, rostos cobertos por máscaras, máscaras de todas as cores, absortas em seus devaneios. Não ouço vozes, só passos! De repente um morador de rua passa gritando palavras sem sentido, ninguém se importa!

A cena possui uma dinâmica cenográfica, quase uma realidade simulada. Lembro do filme que assisti há muito tempo chamado Show de Truman (1998). O filme narra a vida de Truman, um jovem que desde o nascimento tem sua vida observada num reality show assistido por milhares de pessoas. Truman possui uma vida simples e pacata, sem imaginar o mundo do espetáculo que o cerca. Nada na vida de Truman é real, esposa, mãe, amigos, vizinhos, são todos atores com diálogos ensaiados. O dia, a noite, o sol, a chuva tudo faz parte da cenografia, até propagandas (sim, tem merchandising no cotidiano dele) e pior, ele é o único que desconhece a realidade.

Por vezes acho que o coronavírus infectou nossa realidade, como a de Truman. Quem sabe esse não seria um reality? Tantos atores, cenas, equipamentos, manifestações, lives, publicidade, aplausos, cruzes, covas etc. Nesse aspecto, o teatro seria de fato o lugar mais apropriado para estarmos atuando, como personagens do show nosso figurino envolve máscara, capote, touca, luvas, óculos, face shield e toda a simbologia apavorante da contaminação.

Envolta no desassossego deste dia nublado sinto necessidade de refletir sobre o papel do profissional de saúde diante da pandemia. Apesar de tantos dias após a notificação do primeiro caso, os conflitos internos permanecem - o medo e insegurança pela atividade de risco X a responsabilidade social de intervir e salvar vidas. Para além dos heróis e heroínas das propagandas existem seres humanos enfrentando, talvez, o pior desafio de suas vidas (ir e vir, aprender e fazer, errar e refazer, cuidar de si e do outro) tudo em tempo real.  

Pela TV, como no reality show, tudo acontece nas Unidades de Terapia Intensiva, nos Hospitais de campanha, no front do combate, mas, não é bem assim. Na realidade as práticas em saúde se distribuem de acordo com o grau de complexidade da situação. Sendo assim, a Unidade Básica de Saúde (UBS) e as unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF) são a porta de entrada do Sistema Único de Saúde. A UBS desempenha um papel central na garantia de acesso à população, cuja finalidade visa promover, proteger e prevenir agravos, disponibilizar exames, diagnósticos, tratamento, reabilitação, redução de danos e manutenção da saúde. Durante a pandemia, novas ações foram acrescidas ao serviço, como teste rápido, coleta de swabs, notificações, atendimentos, exames e encaminhamentos.

Como o próprio nome já define, o caráter básico das UBS não permite atividades de média ou alta complexidade. As unidades possuem entraves estruturais no fluxo de pacientes, em corredores estreitos e movimentados, falta de ambulâncias, rede de oxigênio, salas com pouca ventilação, elevadores, e outras excentricidades, como a UBS em que trabalho, situada em prédio comercial no 3º e 4º andares. Dá para imaginar pacientes com covid-19, subindo e descendo nos elevadores de um prédio comercial?

Além disso, a pandemia reduziu de forma significativa o nosso quadro de funcionários, houve afastamento por idade (superior a 60 anos), por comorbidade e também pelo contágio da doença. Cabe esclarecer que o número significativo de servidores acima de 60 anos no serviço público justifica-se pelos salários achatados, sem política de reajuste há anos. Essa medida de desvalorização acaba mantendo o servidor na ativa, na expectativa de obter algum benefício ou “penduricalho” que possa tornar a parca aposentadoria mais digna. O contingente de funcionários mais jovens portadores de doenças crônicas e debilitantes segue a mesma lógica perversa

Do quadro de funcionários já reduzido praticamente a metade, hoje contabilizamos cerca de vinte profissionais contaminados pelo coronavírus.  Não sei explicar o motivo de tamanha contaminação, aliás, acho que sei. A pandemia teve início no verão, mês de férias, carnaval, eventos e , inclusive para o nível central (só pra lembrar o Titanic afundou à noite). Apesar do verão, outros discursos e ações facilitaram o contágio na UBS, houve banalização sobre o avanço da epidemia, irregularidade no fornecimento de EPI’s, fluidez na biossegurança dos funcionários, exposição em transportes públicos lotados, atraso na sanitização da unidade, fora os devaneios sobre a gripezinha, a cloroquina e vida x economia.

 Embora a pandemia tenha iniciado na China, o drama vivido pela Itália e pela Espanha deveria ser pedagógico, mas não foi! O que estava por vir foi ignorado em todas as instâncias do território nacional. Aqui em Niterói não foi exceção, a criação do gabinete de crise foi postergada pela alta administração.  Interessante que a retórica em saúde apela tanto para educação, promoção e prevenção de agravos, mas quando a antecipação das ações (capacitação, treinamentos, protocolos, fluxogramas, aquisição de materiais, pactuação público/privada) se tornou imprescindível para diminuir o impacto da epidemia houve demora, a gestão pública perdeu a oportunidade de usar o tempo a seu favor, a favor de todos. 

Dentre os atropelos diários, a comunicação tem sido a área mais afetada. A comunicação em saúde é uma das bases essenciais ao exercício pleno da cidadania e do direito à saúde estabelecidos na legislação do SUS. A comunicação abrange um conjunto de ferramentas de transmissão de conteúdos, dados e práticas a serviço da saúde, ferramenta de publicidade e transparência aos atos administrativos. Comunicar e informar gera produção de sentido em espaços de lutas e negociações. A comunicação e a informação devem ser pactuadas visando adesão às políticas de enfrentamento pelo coletivo a fim de aperfeiçoar o sistema público de saúde e assegurar a participação dos cidadãos na construção de políticas públicas exitosas.

No decorrer desses 70 e muitos dias foi possível constatar uma verdadeira Babel de informações, entre medidas sanitárias, informes aos cidadãos, flexibilização da vida social, retorno da mobilidade urbana e da economia da cidade. No caso específico da comunicação para as práticas em saúde, a falta de clareza tem sido um obstáculo difícil de ultrapassar.  As tomadas de decisões são ditas e desditas, whatsapp pra cá, áudio pra lá, e-mails, dados atrasados, atos e contra-atos e até fake news, resultando em estresse, fadiga, desconfiança, desperdício material, equívocos, conflitos e retrabalho! A escassa força de trabalho se desgastando no retrabalho.   

Por mais contraditório que possa parecer quanto mais vazia for a comunicação mais envolvida em embrolhos e arrogância. Essa atitude torna-se tão contagiante e tão nociva a ponto de confundir os cidadãos, de deslegitimar profissionais, intimidar gestores e diretores com expertise. Afirmo, a arte da guerra não dá conta de uma pandemia, o enfrentamento exige racionalidade sanitária, como já vivenciada em outras epidemias como dengue, Zika, H1N1, sarampo etc. Penso que a evolução da pandemia no Brasil é diretamente proporcional à incapacidade dos agentes políticos em estabelecer um diálogo conciliatório e humanitário. Diálogo para “simplesmente” salvar vidas!!!

A comunicação eficaz é direito de todos os cidadãos, em específico os profissionais de saúde, que estão à frente do combate. Não se trata de uma opção ou benevolência dos gestores, mas transparência dos atos administrativos.  Os pronunciamentos diários do prefeito em formato de lives, por mais otimistas que pareçam, não comunicam de fato. Comunicar implica na ação de participar junto.  A comunicação excede a autopromoção e o ufanismo, a comunicação eficaz deve ser guiada pela troca e não pelo resultado. Pode haver êxito em anunciar à sociedade ações que serão executadas por servidores (profissionais de saúde) totalmente desinformados?

Quando a comunicação é negligenciada ou mitigada como valor fundamental das práticas em saúde, qual o dano para o cidadão e para a sociedade? Vidas perdidas! O desperdício de recursos humanos e materiais, o que acarreta? Perda de vidas!  A fadiga dos trabalhadores e falta de protocolos em que resulta? Perda de Vidas!  Ordens confusas, dados controversos, o que causa? Perda de vidas!

Sairemos dessa pandemia com muitas indagações, pouco aprendizado e muitos óbitos.
Em respeito aos cidadãos atônitos, machucados, sofridos e enlutados vistos na rua do teatro encerro esse escrito deixando um trecho da canção Infinita highway (1980) 
dos  Engenheiros do Hawaíi:


"Estamos sós e nenhum de nós
Sabe onde vai chegar
Estamos vivos sem motivos
Que motivos temos pra estar?
Atrás de palavras escondidas
Nas entrelinhas do horizonte dessa highway
Silenciosa highway".





quarta-feira, 10 de junho de 2020

ESCRITOS DO ISOLAMENTO - PARTE 3



            A carne mais barata da pandemia

Projetos buscam facilitar pagamento de auxílio emergencial durante ...
Filas na Caixa Econômica Federal - RJ
Diferente de outros países, o coronavírus chegou por aqui de avião, passaporte carimbado, amigos e festas regadas a Chandon. Sim, o vírus “pegou carona” nas vias aéreas de empresários, influenciadores, artistas, turistas, políticos e desembarcou aqui. A divulgação dos primeiros casos pela rede privada de saúde, as internações, e inclusive óbitos, nos fez pensar que a pandemia seguiria sua escalada no Brasil de forma simétrica - ledo engano!!! A pandemia rapidamente bateu à porta da vulnerabilidade social e entrou impiedosamente nas periferias, nos aglomerados urbanos, no campesinato rural, nas instituições penais etc. Parafraseando a militante Elza Soares, a pandemia chegou à carne mais barata do mercado!

São quase 38.000 óbitos. No ranking do mapeamento temos São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Amazonas Pernambuco e Pará. São regiões metropolitanas, cidades do entorno industrial, pequenos municípios, inclusive vilarejos, ilhas e aldeias (a população indígena não foi poupada). Um panorama que está levando o Sistema Único de Saúde (SUS) ao colapso estrutural e assistencial.

Não podemos deixar de destacar que essa é uma tragédia anunciada há muito tempo. Afinal, o SUS sempre foi “sangrado” diante de endemias como as arboviroses, (dengue, zika, chikungunya e febre amarela) nas Síndromes Respiratórias Agudas Graves, como influenza, o H1N1, e recentemente com o sarampo.  A diferença em relação ao novo Coronavírus está no avanço e no desconhecimento da doença, na falta de estrutura hospitalar para atender ao paciente crítico, no alto índice de contaminação dos trabalhadores da saúde e na escassez de profissionais preparados para atuar em unidades de terapia intensiva.

O título “a carne mais barata da epidemia (e do mercado também)” procura refletir sobre a penalização dos desiguais e as políticas públicas de enfrentamento à pandemia, quase sempre impregnadas de oportunismo, acabam reforçando as desigualdades sem qualquer alteridade com os outsiders, negros, pobres, mulheres, desempregados, indígenas, analfabetos, nordestinos, LGBTQI+, desalentados, marginalizados e um incontável número de invisíveis.

Nada pode justificar as enormes filas nas agências da Caixa para aquisição de auxílio emergencial, o desespero dos sem-documentos na Receita Federal, o transporte lotado, o serviço "essencial" dos empregados domésticos, os hospitais lotados, pacientes agonizando sem vagas em UTI’s, falta de testagem, confrontos policiais em comunidades, população indígena desassistida, demissões... O caos social sendo utilizado pelo Governo Federal para alimentar seu populismo e justificar medidas autoritárias.  
Revista Lancet 

Na histórica lista da carne mais barata incorporam-se, nesse momento de pandemia, os profissionais de saúde do SUS. Relacionar a vulnerabilidade social que tantos brasileiros amargam durante toda a vida com a atual situação dos trabalhadores do SUS pode ser um exagero, mas quando analisamos as diversas categorias que abrangem o setor saúde observamos a sombra da invisibilidade e da vulnerabilidade em questão. Aliás, quem conhece a luta e a realidade desses trabalhadores sabe que não há nenhum glamour no jaleco branco. A pandemia chegou para desvelar e publicizar as condições de informalidade e desregulamentação de muitos trabalhadores do SUS.

Não se trata de uma realidade excepcional nem recente. Desde 1980, o crescimento do trabalho precário ou de precariados no Brasil tem sido diagnosticado, estudado e denunciado por pesquisadores sérios  numa extensa produção bibliográfica. Inclusive a criação desse blog em 2013 em virtude da dissertação de Mestrado com o objetivo de divulgar artigos relacionados à formação profissional em saúde e a precarização do Trabalho no SUS.  

Embora já bem depauperado, o SUS possui pouco mais de três décadas; o acesso universal à saúde como direito foi estabelecido pela Constituição Federal de 1988. Talvez seja esse o direito mais revolucionário e audacioso garantido pela emblemática constituição (aliás, garantir saúde para todos sempre incomodou muitos setores). Desde sua criação em 1988,o SUS vem sofrendo anos de cortes orçamentários, desvios de verbas, pedaladas e corrupções, até que a conta chegou! Assim também sua força de trabalho (servidores públicos federais, estaduais e municipais) foi se desidratando pelas políticas neoliberais, suspensão de concursos públicos, desvalorização salarial, redução de investimentos e tantos outros. Logo, as exonerações, aposentadorias, licenças e mortes, não produziram substituições equivalentes.

Para cuidar da saúde de mais de 210 milhões de brasileiros, sim todos nós utilizamos o SUS até quando compramos uma maquiagem, os entes governamentais recorreram a diversas mutações de trabalho de caráter flexível para substituir o servidor público. O trabalhador de saúde caiu no limbo da informalidade, da perda de direitos e garantias trabalhistas  como prestação de serviço por autonomia, contratos por tempo determinado, terceirizações, cooperativas, Organizações de Saúde etc.  

Essa miscelânea de relações de trabalho acarreta alta rotatividade, desvinculação pedagógica, discriminação, exclusão, desemprego, como também a sujeição, intimidação do trabalhador e o enfraquecimento sindical. São fatores impeditivos para a mobilização e resistência coletivas dos trabalhadores. Essas relações multifacetadas que envolvem a força de trabalho no SUS configuram a lógica destrutiva do capitalismo contemporâneo.   

A insolvência do Ministério da Saúde e o sucateamento do acesso à saúde, bem como esfacelamento de sua força de trabalho, não previa o enfrentamento de uma pandemia, óbvio! 32 anos depois, o Sistema Único de Saúde foi reivindicado por todos... Claro! As ações de combate ao coronavírus serão a única forma de sobrevivência da economia liberal no país – que destino!. Através dessa conjuntura nefasta, o drama vivenciado pelos trabalhadores da saúde invade os noticiários diariamente, risco de contaminação, adoecimento, óbitos, falta de equipamentos de proteção individual (EPI’s), salários atrasados, denúncias, manifestações, fraudes, contratos sem garantias, assédios, enfim, toda forma de violência contra o trabalhador.
Enfermeiros fazem ato no DF em favor do isolamento social ...
Manifestação no Palácio do Planalto - DF

A precarização do trabalhador na linha de frente da epidemia, inclusive estagiários, recém formados e voluntários, levou a inclusão dessa categoria como mais uma das carnes baratas abatidas durante a pandemia. Dentre elas, estão as mulheres. Mulheres de todas as cores, corpos, línguas, crenças, formações e sexualidades – corpos vulneráveis. São técnicas e auxiliares de enfermagem, fisioterapeutas, farmacêuticas, técnicas de RX, atendentes, enfermeiras, médicas, nutricionistas, auxiliares de serviços gerais, copeiras, técnicas de laboratório, patologistas, assistentes sociais, psicólogas, cuidadoras, motoristas, vigilantes e tantas outras forças que se somam ao cuidado em saúde.

O artigo “A força de trabalho da saúde no Brasil: focalizando a feminização” aponta que o setor saúde tem forte vocação feminina em todo o mundo. No Brasil a ocorrência do fenômeno da feminização do setor saúde surge a partir de 1970.  Para as autoras, o contingente feminino tem se tornado francamente majoritário neste ramo da economia. Na década de 80 houve um crescimento de 302% na categoria médica e 344% na odontológica. A pesquisa também aponta para 95% da presença feminina entre os profissionais de enfermagem e 90,39% entre os nutricionistas (ENSP/Fiocruz - 2016). De acordo com os dados levantados pelas autoras em 2016, a pandemia do coronavírus tem na frente do combate rosto de mulher.  Rostos marcados, corpos agredidos por dentro e por fora, dor, cansaço, fadiga, medo, indignação, dúvidas, abandono, rostos que choram, não por fraqueza, mas por impotência. 
Hospital de campanha do Maracanã


O domínio da força de trabalho feminina no setor saúde levanta tantas questões a serem respondidas. Seria essa a razão das condições inseguras de trabalho? A precarização do SUS retroalimenta a exploração feminina? A imagem publicitária de heroínas impulsiona a mulher a renunciar sua biossegurança? Trabalho ou missão? A sociedade que aplaude é a mesma que bate? E o silêncio dos legisladores? Trabalhadoras de saúde morrendo de Covid -19 sem direitos trabalhistas, quem se importa? Plantonistas sem condições humanas básicas deitadas no chão de hospitais, não causam indignação? Cadê os direitos humanos? Ameaças, punições, cortes salariais... mulheres  trabalhadoras lançadas nas trincheiras do vírus!!!

Por mais que soe romântico, os agradecimentos, mensagens e aplausos não apagarão a história dessas mulheres que entraram nessa guerra laboral (não é viral) sem recrutamento, sem direitos, sem armas, sem nada!

REFERÊNCIAS:

Wermelinger, M; Machado, M. H; Oliveira, E. S.; Moyses, NM. N. A força de trabalho da saúde no Brasil: focalizando a feminização : ENSP/ Fiocruz, 2016.