PRECARIZAÇÃO E PRECARIEDADES: OS DOIS CAMINHOS TORTUOSOS DO SUS
Ao longo dos dois últimos anos, venho desenvolvendo uma pesquisa social na área de Ensino na Saúde sobre o tema “Formação profissional e crise do trabalho contradições e desafios para o SUS”. O procedimento para coleta de dados abrange entrevistas e observação participante com o objetivo de captar opiniões, percepções e representações dos sujeitos sobre o processo de trabalho no SUS.
Ao longo dos dois últimos anos, venho desenvolvendo uma pesquisa social na área de Ensino na Saúde sobre o tema “Formação profissional e crise do trabalho contradições e desafios para o SUS”. O procedimento para coleta de dados abrange entrevistas e observação participante com o objetivo de captar opiniões, percepções e representações dos sujeitos sobre o processo de trabalho no SUS.
Nas
primeiras abordagens com o grupo de estudo foi possível perceber o
estranhamento dos sujeitos em relação ao termo precarização do trabalho. Este
fato motivou a leitura preliminar do conceito elaborado pelo Comitê
Interinstitucional de Desprecarização do Trabalho no SUS. Após a leitura, as
opiniões sobre a ocorrência do trabalho precário no SUS foram norteadas por
expressões como “estranho”, “ruim”, “inaceitável”, “absurdo”, “péssimo. Embora
seja um fenômeno cada vez mais freqüente no serviço público, os depoimentos
coletados relacionaram a precarização do trabalho com precariedades, sem
qualquer distinção conceitual.
No
dicionário da língua portuguesa precariedade
origina-se do latim - precariu - significa aquilo que foi concedido por graça e
pode ser revogável, ou seja, instável, pouco durável, insustentável.
Precariedade é um substantivo qualidade do precário. Para os sujeitos a
precariedade no SUS representa a escassez de recursos materiais, a inadequação
dos espaços, falta de logística, o desperdício, o desvio orçamentário, o atraso
tecnológico e outras situações que comprometem a qualidade na prestação de
serviço. Já precarização do trabalho é um conceito sociológico concernente ao
fenômeno global de caráter destrutivo derivado da reestruturação produtiva do
capital. Caracteriza-se pela expropriação do trabalhador de direitos
historicamente conquistados, distorção da dimensão ontológica do trabalho e
comprometimento da qualidade dos serviços prestados. Antunes (2001, p.42)
considera a precarização um conjunto de mutações e metamorfoses nas relações
formais de trabalho, prestação de
serviço, cargos comissionados, trabalho por tempo determinado, terceirizações,
contratos, cooperativas etc. Esta babel de vínculos implica em perda de direitos,
desinteresse pedagógico, discriminação, exclusão social, subemprego,
desemprego, sujeição patronal e enfraquecimento sindical.
A conjunção dos conceitos feita pelos sujeitos da
pesquisa despertou o interesse investigar a questão pelo prisma filosófico de
Gilles Delleuze e Felix Guattari. Para
os autores não é o conceito que funda a realidade, ao contrário, o conceito
brota da realidade, serve para torná-la compreensível. O conceito é dual por
natureza, serve para conservar ou transformar a realidade. O conceito é
exclusivamente filosófico, resignifica o mundo a partir das seguintes
características: tem estilo próprio (assinatura); define-se por multiplicidade
(como um caleidoscópio); cria-se a partir de problemas; tem uma história; é uma
heterogênese (são respostas possíveis); abrange o absoluto e o relativo ao
mesmo tempo; é um acontecimento não é a essência ou a coisa; não é discursivo
nem proposicional, este atributo pertence à ciência. “O
conceito é um dispositivo, uma ferramenta, algo que é inventado, criado, produzido,
a partir das condições dadas e que opera no âmbito mesmo destas condições”
(GALLO, 2008, p. 43).
De
volta à questão da pesquisa, o que temos no SUS? precarização ou precariedades?
Qual a diferença entre os termos? A quem interessa a precarização do trabalho e
a precariedade do serviço? O que podemos esperar das instituições públicas que
se beneficiam com a precarização?
Por
ser um conceito, a precarização do trabalh tem história, foi criado a partir de
problemas, é um dispositivo que permite a compreensão da realidade com duas
dimensões distintas, de conformidade ou de transformação. Apesar de emanar da
realidade, o conceito não corrige, não traz propostas, não tem energia, nem força
para intervir no problema. O fenômeno permite
um novo pensar, é um acontecimento dinâmico, produtor de novos conceitos. Trata-se
de um dispositivo que incomoda e pode provocar reflexão e ação.
As
opiniões dos trabalhadores enriqueceram toda a condução da pesquisa, através
deles pude perceber que a realidade deflagra a construção de conceitos, e a
interlocução com outros conceitos. Considerar
precarização “apenas as relações de trabalho” para aquele que disponibilizam sua
força de trabalho no SUS é muito pobre. Estes sujeitos sociais reivindicam um
conceito mais amalgamado com outros elementos – condições de trabalho,
dignidade, valorização, tecnologias, recursos materiais, direitos, garantias,
enfim, a satisfação do trabalhador. Se o conceito existe para pensarmos o novo,
o devir, que sirva para pensarmos um SUS que não transite pelos caminhos da
precarização e precariedades.
Referências:
ANTUNES, Ricardo. A dialética do trabalho: escritos de Marx e Engels (org). São Paulo: Expressão Popular, 2004.
_________.
ALVES, Giovanni. As mutações no mundo do
trabalho na era da mundialização do capital. Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 87, p. 335-351,
maio/ago. 2004 335 Disponível em http://www.cedes.unicamp.br . Acesso em: 18
fev 2012
__________.
Os sentidos do trabalho: ensaios
sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2ª edição – São Paulo : Boitempo,
2009 ( mundo do Trabalho).
_________.
Trabalho e
precarização numa ordem neoliberal. In: FRIGOTTO, Gaudêncio Cidadania negada : políticas de exclusão na educação e no trabalho. Rio de Janeiro: Cortez Editora, 2001; cap.II
p. 35 – 48.
GALLO, Silvio. Deleuze
e a Educação. 2ª Edição, Belo Horizonte : Autêntica, 2008.
Nenhum comentário:
Postar um comentário