O QUE ESTÁ ACONTECENDO? O SUS ESTÁ AO
CONTRÁRIO E NINGUÉM REPAROU...
O governo do PT, depois de dez longos e adormecidos invernos, despertou para a seguinte realidade: faltam médicos no SUS???
No SUS faltam médicos!!! Digo mais... faltam dentistas, psicólogos, nutricionistas, enfermeiros, técnicos, agentes comunitários, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, farmacêuticos, administrativos, inclusive médicos.
Lamentavelmente o ideário democrático iniciado na
década de 80, com o movimento em defesa da reforma sanitária, hoje esmorece diante
das imposições neoliberais. A passos largos o Sistema Único de Saúde vem se rendendo às medidas
provisórias, portarias, determinações, editais. Um encaminhamento no mínimo autoritário
que sobrepõe todo o debate e luta de democratização da saúde e a imperiosa relevância da participação popular neste processo.
Em documento intitulado “Vinte anos de SUS:
celebrar o conquistado, repudiar o inaceitável”, o Centro Brasileiro de Estudos
da Saúde (Cebes) elaborou em 2008, marco dos vinte anos da criação do SUS, um
manifesto contendo um rol de situações consideradas inaceitáveis na trajetória do SUS. Dentre elas a desvalorização do profissional
de saúde recebeu significativo destaque, “É inaceitável que os profissionais de saúde sejam
desvalorizados e tenham suas condições de trabalho aviltadas”.
Hoje, cinco anos após este manifesto
assistimos à chamada de médicos estrangeiros para os confins da terra brasilis sobre
a denominação "Programa Mais Médicos para o SUS". A proposta se justifica em um discurso tacanho de convocação de médicos estrangeiros , como se fosse uma força tarefa, para socorrer áreas de maior vulnerabilidade social do país.
Falamos de quem? Burkina Faso? Haiti? Burundi?
Níger? Não!!!! Falamos do Brasil, uma das economias mais promissoras do mundo, com
altas concentrações renda per capita, com riquezas naturais, autossustentável
em energia fóssil, sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas, um dos principais países no
mercado BRIC’s.
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No Portal do Ministério da Saúde a justificativa para a Medida provisória deriva
de duas situações, primeira, a desproporção entre o número de médicos no país e a ampliação dos postos de trabalho no SUS. Este fato pode ser compreendido como fruto do
descaso histórico com a saúde pública no Brasil. As políticas depreciativas, o financiamento
deficitário, a desvalorização dos servidores, os baixos salários e péssimas
condições de trabalho, foram semeando o desinteresse dos jovens pela área de saúde
e, consequentemente, refletiram na evasão de talentos para outras áreas do
conhecimento privilegiadas pelo mercado de trabalho (Tecnologias de Informação
e Comunicação, Direito, Publicidade, Engenharia de Petróleo, Ambiental, de
Produção etc.) A outra situação refere-se à má distribuição de médicos no
território nacional. A concentração de médicos e demais profissionais nos
grandes centros urbanos não deveria causar estranhamento para a alta
administração do governo, uma vez que toda a infraestrutura educacional e
sanitária (universidades, estágios, residência, especializações, rede
hospitalar, atendimento por especialidades, reabilitação, exames de alta
complexidade) também são essencialmente metropolicêntricas. A origem do
deslocamento decorre da exclusão educacional das áreas periféricas do país, na
fase de formação e profissionalização do estudante. Dados do IBGE
(2010) confirmam que 29,2% dos universitários brasileiros moram em uma cidade e
estudam em outra e o índice chega a 32,6% em relação aos cursos de
especialização, mestrado ou doutorado. O alto fluxo de
profissionais nos grandes centros hegemônicos facilita a inserção no mercado de
trabalho competitivo e flexível.
Todo o investimento veiculado pela
mídia em torno do Programa Mais Médicos desconsiderou os critérios avaliativos de
revalidação preconizados pelo MEC, segundo o Ministério da Saúde só poderão
participar da seleção os médicos procedentes de países com proporção maior do
que 1,8 médicos por mil habitantes (índice do Brasil). Isso quer dizer que
os parâmetros quantitativos equivalem aos parâmetros qualitativos na formação
educacional? Apesar do repúdio do CREMERJ a revalidação do diploma por parte
dos médicos estrangeiros tornou-se dispensável, subentende-se nesta conjuntura que
qualquer instituição de ensino estrangeira forma melhores profissionais do que
o Brasil?
O Programa Mais Médicos também atinge
outra questão não menos relevante, a relação de trabalho no SUS. O Programa especifica o vínculo na forma de residência,
para os brasileiros, e contrato por tempo determinado, inicialmente três anos,
para os estrangeiros. Embora a remuneração destes profissionais esteja muito acima da
realidade nacional, em torno de 10 mil reais, trata-se de precarização do
trabalho,. O programa desconsidera a prerrogativa constitucional de acesso ao serviço público e com isso destitui os trabalhadores de direitos e garantias
concernentes ao serviço estável (férias, 13º salário, triênio, licença
maternidade, auxílio doença, insalubridade, periculosidade); tal a
vulnerabilidade se expressa na subjetividade dos critérios de desligamento do contrato, “o abandono do programa antes de 180 dias sem
justificativa implicará na restituição de
todos os valores referentes à ajuda de custo”.
O duelo de titãs está
justamente no conflito entre os programas de governo instituídos no SUS, ora afeto à precarização
do trabalho como no Programa Mais Médicos, ora em política de enfrentamento ao trabalho precário como o
Deprecariza-SUS. Criado desde 2006, o Programa de Desprecarização do Trabalho
no SUS tem por finalidade corrigir a equivocado uso do trabalho precário na
política de provimento e ampliação dos recursos humanos no SUS. Trata-se de pactuação
nas três esferas de governo (federal, estadual, municipal) em atenção às deliberações da Organização
Internacional do Trabalho (OIT); em defesa do trabalho decente; no combate ao processo de precarização do trabalho no SUS; em atenção aos Termos de Ajuste de Conduta
(TACs) e medidas ajuizadas pelo Ministério Público Federal. Os objetivos e metas
do programa visam o incentivo aos concursos públicos e a substituição gradual da
força de trabalho precarizada do SUS.
Mas como combater o trabalho precário alimentando a
precarização? Como construir um Sistema Único de Saúde democrático se as
políticas de governo são autoritárias e excludentes? Será que os gringos da
missão “Mais Médicos” têm noção que a miséria, o desemprego, as epidemias, a
fome, a seca, enfim, os determinantes de saúde definidos pela Organização Mundial
de Saúde (OMS) se escondem por trás da sórdida máquina administrativa corrupta?
Será que eles conhecem o Brasil das grandes riquezas não tributadas? Dos latifúndios?
Das licitações fraudulentas? Dos projetos sociais fantasmas? Dos acordos
internacionais a custa do sacrifício do povo?
Na medida em que crescem as contradições no SUS, mais comprometida fica a sua sustentabilidade nos pressupostos da Reforma Sanitária. Parafraseando Nando Reis “o mundo está
ao contrário e ninguém reparou”. Digo
mais... assim como o mundo, o SUS também está ao contrário e ninguém está
reparando...